terça-feira, 5 de agosto de 2008

JAZZ

Acho que preciso dizer algumas palavras sobre jazz. Comecemos pela sua história, que não apenas é fantástica como estrapola epicamente o campo da música. Resumindo grosseiramente...


No início de seus dias, que foi pouco depois do fim da escravidão negra nos Estados Unidos do Poder Branco na segunda metade do dezenove, já havia um secular germe musical poderoso, que também era mais que simples música, que seria a base do blues e depois do jazz. Eram as worksongs (ou canções de trabalho). Ainda trabalhando duro nos campos de algodão, ou onde quer que fosse, os negros entoavam essas melodias que davam o ritmo de seu trabalho. O ritmo é sem dúvida o elemento mais importante da música de matriz africana (polirritmias eram praticamente inexistentes na música ocidental), e sua beleza e funcionalidade eram preservadas na cultura dita negra, de origem africana. Mas essas canções, como disse, eram mais que isso. Falavam da realidade vivida, cotidiana, experienciada desse povo e estavam indissociavelmente ligadas ao trabalho, elemento central dessa mesma realidade. Isso é muito diferente da concepção de música que temos hoje amplamente difundida e da qual o próprio jazz faz parte. Muito diferente, inclusive, de sintonizar o rádio numa estação popular e cantarolar os hits do momento para fazer faxina, embora alguns aspectos, como a distração psicológica, já deviam então estar envolvidos. É bem possível que, como alguns dizem, o efeito último disso fosse a conformação ao sistema econômico¹. Worksongs, nesse caso, eram uma válvula de escape. Vou pesquisar sobre worksongs no Haiti e ver o que descubro a respeito. É sabido que já existiam na África e também eram cantadas nas nossas lavouras coloniais. Entre os makonde da colônia portuguesa do Mozambique, as letras insultavam os senhores e feitores que vigiavam o trabalho, geralmente depreciando seus atributos sexuais, sem que os mesmos entendessem do que se tratava. Na colônia portuguesa do Brasil, essas canções foram germe do samba de maneira mais ou menos análoga.

Então, quando esses ex-escravos tornaram-se trabalhadores livres e (mal) assalariados, aí sim, a música foi passando gradativamente para os domínios do divertimento popular, com sua própria economia e mercado, que incluíam o surgimento de músicos profissionais, bares, etc. A música negra - assim chamada porque essa parte da população estadounidense vivia segregada em todos os sentidos, e com sua cultura não era diferente - retrabalhou aquelas antigas canções de trabalho e criou o blues. A partir dele e de alguns hibridismos com danças de matriz européia, na transição dos dois séculos, surgiu o jazz. Devo ter pulado algumas etapas, mas, grosso modo, é isso.

Agora, avançando de novo mais um pouquinho no tempo, vem a parte triunfal da história. Ela está diretamente relacionada ao processo de massificação da cultura. O século XX, como sendo o do apogeu da industrialização e urbanização, quando ocorre a grande virada dessas sobre o campo e a economia tradicional, por meio de algumas evoluções técnicas, industrializou e disponibilizou para consumo urbano também a música. A partir do recrudescimento dessa distribuição, através da gravação e radiofonização e venda de discos e tal, a música quebraria algumas barreiras, como a geográfica e, principalmente, a de classe (não sem resistências e contradições, ou seja, luta). Os brancos, a classe média particularmente, passaram a ouvir jazz, se comover com o jazz, dançar o jazz. Não demorou para surgirem, aproveitando essa oportunidade, os músicos brancos de jazz. Nem é preciso dizer que em uma sociedade como aquela, em que o racismo é, até hoje, hegemônico (o que não quer dizer absoluto), foram esses músico que inicialmente colheram os frutos do sucesso, principalmente o mais doce e nutritivo deles, the money. Não quer dizer que não pudessem fazer jazz, pelo contrário, por si só isso já era uma tremenda vitória. Menos ainda, que só os negros poderiam fazê-lo com propriedade. Cultura não é algo natural, não está no sangue ou na essência das pessoas (se é que isso existe). Se aprende, se ensina, se transmite, se compartilha. Prova disso é que houveram tanto bons músicos brancos nessa época (acho que Benny Goodman é o melhor exemplo), como ruins (Glenn Miller é a encarnação máxima do oportunismo que deixei subentendido).

Claro que o dinheiro, o sucesso, eram motivos suficientes para o ressentimento. Ao longo do século passado, a música e o cinema tornaram-se progressivamente alguns dos abrigos preferenciais desses elementos. Mas nesse período, ainda fortemente marcado pela opressão racial, o orgulho ferido de um povo oprimido deve ter falado mais alto. Era inaceitável que uma música de origem negra estivesse sendo explorada dessa forma, em detrimento dos seus criadores. Aí surgiu a vanguarda do jazz. O bebop foi o pontapé inicial. O objetivo implícito era transformar o jazz numa música de tal maneira complexa que só seus praticantes negros integrante desse restrito círculo cultural que se materializava pudessem tocar. O resultado foi a expressão musical mais revolucionária, mais soberba, mais exuberante, mais foda, enfim... sou suspeito pra falar. Mas o processo não estancou por aí. Veio o cool, veio o free, o avant-garde, uma evolução atrá da outra, um desenvolvimento contínuo. E esse foi, sem sombra de dúvidas, seu maior triunfo. O jazz foi, muito provavelmente, a maior prova coletiva da capacidade intelectual do negro e, assim sendo, a mais profunda contestação material das idéias racistas. De fato, o jazz engajou-se dessa e de várias outras maneiras na luta pelos direitos civis. Esse sucesso - o melhor dos sucessos: o sucesso histórico, revolucionário - viria logo.

1. Para os antimarxistas de plantão, sempre vasculhando atrás do suposto reducionismo econômico do inimigo, refresquemos seu ponto de vista lembrando que os escravos, além de serem, em primeiro lugar, trabalhadores (muito mais do que os trabalhadores-consumidores de hoje), eram uma propriedade. Se isso não condicionava substancialmente suas vidas, então não sei mais de nada (ou ao menos de nada que realmente importe).

* * *

Falemos também um pouco de música. Por que considero o jazz diferente do resto da música? Vou listar apenas alguns motivos que me vêm a cabeça neste momento:

1. O jazz é a única música viva. Nele, é a música que se curva ao momento vivido pelo ser humano e não o contrário. A palavra improvisação, geralmente associada ao jazz, é incompleta para entender o que quero dizer. Ela privilegia demais o aspecto técnico da música e esquece-se a função da arte: comunicar (arte pela arte? aqui não!). A técnica é apenas um pormenor da linguagem. Ah, mas comunicar o que, se a música é instrumental? Pode ser que seja uma linguagem abstrata, mas é! Quer mais do que o poder que a música tem de
comunicar os sentimentos?! O domínio da técnica, das notas músicais, do tempo, etc., durante uma improvisação instrumental se compara ao domínio das palavras durante uma fala improvisada. Quanto maior o domínio, mais acurada é a comunicação.

O grande problema da comunicação (não é um problema, é sua própria natureza) é que não se faz com uma pessoa
. O grande efeito colateral da vanduarda é o afastamento do grande público. Mas estou certo de que a culpa não é da vanguarda, que deve continuar existindo sempre, e sim do grande público manipulável e dos poucos que tem os meios para poder manipulá-lo. O ideal seria que todos tivessem mente aberta suficiente para aprender com tudo e acompanhar as evoluções propostas pelas vanguardas, evoluir junto e até superá-las (tornando-se vanguarda também). Por isso o jazz, infelizmente, também é sinônimo de música minoritária, especializada...

2. No jazz, a interpretação individual tem um significado mais verdadeiro. Os standards, canções clássicas que tornam-se referência e passam a ser interpretadas por diversos artistas, confere a essas diferentes interpretações um significado especial. É interessante notar que essas canções geralmente tem letras e a maior parte de suas interpretações são instrumentais. O conhecimento dessa letra e a expressão de seu significado e dos sentimentos que envolvem por parte do músico são, por isso, pré-requisito para uma boa interpretação. O instrumento tomará o lugar da voz e terá de falar de forma até mais enfática que a primeira, que conta com as facilidades proporcionadas pelas palavras para tal intento. A interpretação é também bem diferente do que acontece em outros gêneros musicais. Na música erudita, a interpretação de um maestro e de uma orquestra para os temas clássicos não têm espaços para o acréscimo de idéias, para adaptações,
liberdades individuais que a improvisação possibilita. É o que tá escrito e pronto. No roquenrou, as chamadas versões muito raramente superam suas originais, sendo mais um subterfúgio para o sucesso fácil ou simplesmente uma escapatória para o déficit criativo. No jazz, a superação é quase uma regra, visto que a reinterpretação é mais que prevista, é cuidadosamente pensada nos termos de sua contribuição ao tema original.

3. O seu instrumental preferêncial é perfeito e fez escola. O jazz teve grande influência, nos seus inícios, da banda marcial. Fiquei embasbacado quando descobri que nos seus primóridos, a função hoje exercida pelo baixo era dada pela tuba. Tudo passou a fazer sentido. Também a bateria como conhecemos hoje, um conjunto de tambores e pratos, não por acaso, surgiu em Nova Orleans. Combinando os dois instrumentos, estava inventada a cozinha musical. Com o acréscimo do piano, que se juntou ao jazz em suas passagens pelos bórdeis, os instrumentos de sopro ocuparam a frente da música, representando o papel da voz. Do roque ao funk carioca, a música com toda a certeza não seria a mesma sem o jazz.

7 comentários :

Anônimo disse...

Pois é, Luciano. O tiro sempre vem de onde menos se espera, e aplauso que surpreende também. To escrevendo para te dar o segundo; primeiramente por que tem gente que ainda tá esperando tu abrir o sorriso para poder te falar que reconhece teu talento, e segundo lugar, por que tá bonito o trabalho mesmo.

p.s. Apostaria mais no desenho que na história. As coisas andam mórbidas lá pelo vale.
Abração

Anônimo disse...

Cara, gostei muito fo que tu escreveu sobre o Jazz. Não conhecia essa história toda. Já tinha ouvido falar das Worksongs (inclusive os Creedence gravaram uma dos presidiarios que trabalhavam picando pedra e coisas do tipo).

Só acho que dizer "O jazz é a única música viva" meio arriscado, mesmo argumentando que nela a música se curva ao momento vivido, porque eu sei lá se está certo...tem tanta música.
Mesmo assim, está excelente. bem legal!

Bernardo Caprara disse...

esse cara tem o dom, ta loco! é cara meu!!!!!!!!!!!

ps: to sempre observando aqui.

Anônimo disse...

Apreendi sobre Jazz!
O blogue Ilustrado vem bem, muito bem.
Gostei muito...

Walter disse...

Obrigado pelo material, muito bom conheci hoje o Grisa me mandou. Mas o jazz surge em um espaço particular New Orleans de colonização francesa e católica, onde o creole possuia uma certa ascensão social, talvez este espaço único e não protestante possa ter influenciado na formação do jazz. O que vcs acham disso? Abraços e mais uma vez obrigado pelo material!

Luciano Thomé disse...

Sem dúvida, Walter, bem lembrado.
E a propósito disso, Balejos, não tome esse texto como aula, pra isso existe o Hobsbawm (hehehe, o onipresente): "História Social do Jazz", esse é o livro!!!

quilombonnq disse...

REVOLUÇÃO QUILOMBOLIVARIANA!
Viva! Chàvez! Viva Che!Viva! Simon Bolívar! Viva! Zumbi!
Movimento Chàvista Brasileiro- Ações Afirmativas Afro –Ameríndia *Quilombismo *
A comunidade negra afros-decendentes brasileira
é solidaria e apóia o povo palestino Viva a Palestina!
Manifesto em solidariedade, liberdade e desenvolvimento dos povos afro-ameríndio latinos, no dia 01 de maio 2008 dia do trabalhador foi lançado o manifesto da Revolução Quilombolivariana fruto de inúmeras discussões que questionavam a situação dos negros, índios da América Latina, que apesar de estarmos no 3º milênio em pleno avanço tecnológico, o nosso coletivo se encontra a margem e marginalizados de todos de todos os benefícios da sociedade capitalista euro-americano, que em pese que esse grupo de países a pirâmide do topo da sociedade mundial e que ditam o que e certo e o que é errado, determinando as linhas de comportamento dos povos comandando pelo imperialismo norte-americano, que decide quem é do bem e quem do mal, quem é aliado e quem é inimigo, sendo que essas diretrizes da colonização do 3º Mundo, Ásia, África e em nosso caso América Latina, tendo como exemplo o nosso Brasil, que alias é uma força de expressão, pois quem nos domina é a elite associada à elite mundial é de conhecimento que no Brasil que hoje nos temos mais de 30 bilionários, sendo que a alguns destes dessas fortunas foram formadas como um passe de mágica em menos de trinta anos, e até casos de em menos de 10 anos, sendo que algumas dessas fortunas vieram do tempo da escravidão, e outras pessoas que fugidas do nazismo que vieram para cá sem nada, e hoje são donos deste país, ocupando posições estratégicas na sociedade civil e pública, tomando para si todos os canais de comunicação uma das mais perversas mediáticas do Mundo. A exclusão dos negros e a usurpação das terras indígenas criaram-se mais e 100 milhões de brasileiros sendo estes afro-ameríndios descendentes vivendo num patamar de escravidão, vivendo no desemprego e no subemprego com um dos piores salários mínimos do Mundo, e milhões vivendo abaixo da linha de pobreza, sendo as maiores vitimas da violência social, o sucateamento da saúde publica e o péssimo sistema de ensino, onde milhões de alunos tem dificuldades de uma simples soma ou leitura, dando argumentos demagógicos de sustentação a vários políticos que o problema do Brasil e a educação, sendo que na realidade o problema do Brasil são as péssimas condições de vida das dezenas de milhões dos excluídos e alienados pelo sistema capitalista oligárquico que faz da elite do Brasil tão poderosa quantos as do 1º Mundo. É inadmissível o salário dos professores, dos assistentes de saúde, até mesmo da policia e os trabalhadores de uma forma geral, vemos o surrealismo de dezenas de salários pagos pelos sistemas de televisão Globo, SBT e outros aos seus artistas, jornalistas, apresentadores e diretores e etc.
Manifesto da Revolução Quilombolivariana vem ocupar os nossos direito e anseios com os movimentos negros afro-ameríndios e simpatizantes para a grande tomada da conscientização que este país e os países irmãos não podem mais viver no inferno, sustentando o paraíso da elite dominante este manifesto Quilombolivariano é a unificação e redenção dos ideais do grande líder zumbi do Quilombo dos Palmares a 1º Republica feita por negros e índios iguais, sentimento este do grande líder libertador e construí dor Simon Bolívar que em sua luta de liberdade e justiça das Américas se tornou um mártir vivo dentro desses ideais e princípios vamos lutar pelos nossos direitos e resgatar a história dos nossos heróis mártires como Che Guevara, o Gigante Osvaldão líder da Guerrilha do Araguaia. São dezenas de histórias que o Imperialismo e Ditadura esconderam. Há mais de 160 anos houve o Massacre de Porongos os lanceiros negros da Farroupilha o que aconteceu com as mulheres da praça de 1º de maio? O que aconteceu com diversos povos indígenas da nossa América Latina, o que aconteceu com tantos homens e mulheres que foram martirizados, por desejarem liberdade e justiça? Existem muitas barreiras uma ocultas e outras declaradamente que nos excluem dos conhecimentos gerais infelizmente o negro brasileiro não conhece a riqueza cultural social de um irmão Colombiano, Uruguaio, Venezuelano, Argentino, Porto-Riquenho ou Cubano. Há uma presença física e espiritual em nossa história os mesmos que nos cerceiam de nossos valores são os mesmos que atacam os estadistas Hugo Chávez e Evo Morales Ayma,Rafael Correa, Fernando Lugo não admitem que esses lideres de origem nativa e afro-descendente busquem e tomem a autonomia para seus iguais, são esses mesmos que no discriminam e que nos oprime de nossa liberdade de nossas expressões que não seculares, e sim milenares. Neste 1º de maio de diversas capitais e centenas de cidades e milhares de pessoas em sua maioria jovem afro-ameríndio descendente e simpatizante leram o manifesto Revolução Quilombolivariana e bradaram Viva a,Viva Simon Bolívar Viva Zumbi, Viva Che, Viva Martin Luther King, Viva Osvaldão, Viva Mandela, Viva Chávez, Viva Evo Ayma, Viva a União dos Povos Latinos afro-ameríndios, Viva 1º de maio, Viva os Trabalhadores e Trabalhadoras dos Brasil e de todos os povos irmanados.
O.N.N.QUILOMBO –FUNDAÇÃO 20/11/1970
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